quarta-feira, 18 de maio de 2016

O velho Brixton está desaparecendo


Morei na Mervan Road, 38, no bairro de Brixton, última estação da linha azul do metrô de Londres no sentido sul, a “Vitoria Line”, durante seis meses no ano de 1982, onde passei todo verão, outono e o comecinho do inverno. Mudei-me para o Brixton, assim que percebi, que se quisesse prolongar a minha estadia, precisava deixar de morar em hotel, e encontrar alguma coisa para alugar. Foi quando, resolvi deixar Bayswater, onde morava numa mansarda, água-furtada, aposento que em geral, não passa de pequeno studio com janela dando, brotando por cima do teto do prédio, aquelas janelinhas nos tetos dos prédios antigos, muito comuns em cidades europeias. Bayswater, onde morei por seis semanas num “Bed and breakfast”, sexto andar sem elevador, de modo que era duro chegar lá em cima, mas depois que me aconchegava, era uma delícia. As vezes os pássaros, pombos em sua maioria, insistiam em namorar na minha janela, alguns mais atrevidos, ousavam até fazer amor na minha frente, o barulho deles perturbava um pouco a concentração nas leituras. Por perto haviam vários restaurantes gregos baratos, onde ainda se podia jantar, com uma taça de vinho incluída, por sete libras, incluído as danças típicas com músicas parecidas com “Zorba, o grego”, e quebra de pratos, o gerente confidenciou uma vez, que a crise econômica tinha levado à redução na quebra de pratos, uma coisa tradicional na cultura dos restaurantes gregos. Morar em Bayswater, me obrigava a cruzar o Hyde Park em direção ao curso de inglês, que ficava na região de Victoria Station, quase todos os dias, o que fazia quando o tempo permitia, e fazia com imenso prazer, tal a beleza de um dos mais importantes, grandes e bonitos parques reais londrinos, coisa que a maioria dos outros parques não são, ou seja, Royal Park. Assim que cheguei me hospedei em vários lugares diferentes, porque considerava que assim teria mais chances de conhecer a cidade de verdade. Comecei pelo Earls Court, depois fui para a região em torno de Vitoria Station, onde ficava o meu curso de inglês e a gare do trem para Paris. Já morando em Brixton, assisti momentos muito tensos e violentos entre a polícia e moradores, em geral homens negros jovens organizados, tumultos que provocavam além de muitas prisões, alguns incêndios em estabelecimentos comerciais, havia sempre um clima tenso no ar entre a população negra do pedaço e a polícia branca, que circulava pelo bairro.

Mercado de Brixton hoje


Por outro lado, existia uma atmosfera cultural muito viva e intensa, já que, com os aluguéis mais baratos, atraiam muitos artistas jovens, em começo de carreira, e outros nem tanto, de todos os tipos, o que dava ao lugar uma cara toda especial e peculiar, única em toda Londres daquela época, tanto que a gente andava por toda a parte de Londres a noite, procurando endereço de alguma festa nova, e não se via nada com o caráter de Brixton. Terra de David Bowie, escritores e cineastas. No Ritzy Cinema por exemplo assisti uma palestra memorável com William Burroughs, o velho beat, claro que não tanto como o psicólogo de Havard, Timothy Leary, mas também guru dos "estados alterados de consciência" e autor do viajante e delirante livro "O Almoço Nu"(The Naqued Lunch). No Brixton Fear Deal assisti show do The Clash, quando ainda estavam no auge, além do Dead Kennedy e muitos outros. É muito bom saber, que ambos ainda existem, mesmo que tenham outros nomes hoje em dia, embora o Ritzy Cinema, pelo que diz a matéria no link abaixo, tenha quase por milagre conseguido manter o velho nome, bom e importante preservar e conservar certos detalhes, que estão na memória afetiva de tanta gente. Gostava muito da feira de rua da comunidade negra do bairro, onde encontrava produtos parecidos com os do Brasil. Foi o único lugar do mundo, onde encontrei uma livraria especializada e com acervo apenas em assuntos exclusivamente NEGROS/Africa negra e suas comunidades espalhadas mundo afora. Na Londres daquela época, quem queria assistir show musical (Rock, Punk e principalmente Reggae) por bom preço, era preciso ir até ao Brixton, ou quem sabe talvez ao pequeno quartier Soho no velho centro da cidade. Ainda bem, que os primeiros filmes de Stephen Frears, como é o caso de "My beautiful laundrette", e sobretudo "Sammy and Rosie", ambos escritos e roteirizados pelo escritor paquistanês Hanif Kureishi, retratam, documentam e registram um pouco de como era a vida,  a atmosfera, o clima cultural e político, que rolava no Brixton daquela época. Uma mistura de pequenos artistas em começo de carreira, escritores de todo tipo, idades e nacionalidades, muitos músicos, muitos, a maioria atraída pela intensa atividade musical do lugar, inclusive Boy George bem jovem ainda, do início do Culture Club, um verdadeiro "melting pot". Depois que deixei Londres, só encontrei outra cidade na Europa, com a efervescência cultural similar a de Brixton, em Berlim . Agora se vier mesmo a revitalização, gentrificação ou sei lá o nome, encarecendo os aluguéis, Brixton certamente se descaracterizará completamente, será uma pena, embora para os turistas, bom deixa pra lá...

Brixton hoje em dia




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