sábado, 28 de janeiro de 2017

Breve comentário sobre a subcultura punk



Pode-se dizer sem medo de errar, que Malcolm McLaren e sua mulher na época Vivienne Westwood, dona da boutique “Let it Rock” na Kings Road no Chelsea londrino desde 1971, pegaram uma carona numa subcultura, que estava iniciando ainda sem nome. Primeiro na moda com a própria Vivienne, que observou certos detalhes na indumentária daquela gente estranha, assimilou toda aquela informação, reciclou tudo e reproduziu em forma de roupa, que expôs em sua boutique do Chelsea. 

Em seguida o seu marido, o antenado produtor cultural Malcolm McLaren, utilizando-se de todas aquelas informações, e após as visitas de algumas bandas estadunidenses portadores da mesma linguagem, que depois veio receber o nome de ‘punk’, investiu como produtor, marqueteiro da banda londrina ‘Sex Pistols’ usando a mesma linguagem.

kings Road, Chelsea

A história é a seguinte, pelo menos foi o que consegui apurar em minha estadia londrina na época, jovens suburbanos e proletários, visando não serem hostilizados pelos seguranças de lojas chiques, quando estivessem a frequentar partes da cidade consideradas da moda, como a Kings Road no Chelsea por exemplo, criaram ao longo do tempo um estilo próprio, ousado, despojado e pobre, que eram roupas rasgadas e emendadas por alfinetes de fraudas de bebê.
Com isso eles passaram a ser assimilados como uma tribo urbana como outra qualquer, entre tantas que existiam na época no cenário londrino e de outras cidades grandes do primeiro mundo, mas sobretudo em Londres e naquela rua específica, a Kings Road no Chelsea. Com o tempo o estilo indumentário foi se alterando, os alfinetes passaram além de juntar pedaços rasgados de roupas compradas em 'jumble sales', espécie de brechó de igreja, a furar também a própria pele com os alfinetes, que foram os antecessores do 'piercing'. Diferentemente dos hippies, que queriam cair fora do sistema capitalista, e criar as sociedades alternativas, os punks não queriam nada disso, insistiram em permanecer, e se exibirem no centro da maior opulência e do consumismo mais caro, junto às boutiques da moda mais atual. Cheguei a ver grafitado nesse mesmo bairro, algo como: “eles fuderam e fizeram um bebê punk, e agora terão de aturar”, similar ao: “terão de me engolir”. Portanto era uma subcultura completamente orgânica, que trazia algumas ideias libertárias na velha luta por mais inclusão, reconhecimento e pertencimento, de forma não ortodoxa e enviesada, mas luta, assim mesmo, por reconhecimento e cidadania; que foram copiadas e exploradas por aproveitadores e marqueteiros de plantão, por razões mais comerciais e econômicas que ideológicas, e que acabou dando no que deu, como assistimos depois. Poderia acrescentar, que pelo menos no aspecto da luta por reconhecimento, e apenas nesse aspecto, tem alguma semelhança com o que veio a acontecer no Brasil quarenta anos depois, sobretudo nos shopping centers do Rio de Janeiro e São Paulo, com o chamado movimento "rolezinho", que foi duramente rechaçado com violência, muita repressão e prisões feitas pela polícia e pelos seguranças dos shoppings.
Por outro lado, tenho lido comentários feitos por articulistas, que se dizem filósofos, associando o nome de determinados filósofos, como é o caso do francês Gilles Deleuze, com o movimento punk. Sinceramente, dá vontade de rir do ridículo dessa intenção e da péssima avaliação do articulista, que não interessa agora fulanizar. Por acaso, quando viajei à Inglaterra pela primeira vez, lembro que na época havia acabado de adquirir o livro “O anti-Édipo” de Deleuze e Felix Guattari, e como se dizia na época, era o que de mais relevante havia sido publicado em matéria de teoria filosófica, política e cultural. Para não ficar fora dessa, o levei comigo na viagem, quando o li e reli, tive então muita dificuldade de compreensão pelo jargão pesado, carregado de conceitos próprios quase inexplicáveis, apesar de na época já ter lido a tragédia grega de Sófocles e um pouco de Freud. Achei o texto todo quase ilegível. E qual não foi a minha surpresa, quando aterrissei em Londres, e tomei contato direto com a realidade de forma factual e presencial? Toda aquela teoria deleuziana cheia de contorcionismos verbais tornou-se completamente anacrônica e inverossímil. Lembro de ter questionado um psicoterapeuta da Philadelphia Association, de formação existencialista sartriana e anti-psiquiátrica, a respeito do livro e do pensamento de Deleuze, que respondeu tratar-se de um pensamento meramente paroquial, que expressava os anseios do que se passava em Paris, que estava a anos luz de ser um pensamento de caráter universal. Portanto só cheguei até aqui, porque é preciso alertar, pela necessidade de se tomar mais cuidado, quando se estuda determinados pensadores, é preciso contextualizar sempre, situando e datando tal pensamento. Nem sempre uma reflexão, que é válida dentro de uma determinada situação social e política de um contexto histórico específico, será válida também em outras latitudes, tipo exportação. Nunca é demais lembrar, que o filósofo marxista húngaro Georg Lukács, já havia dito e explicado as razões, que levaram à fragmentação do discurso e ao abandono da grande narrativa, após o lançamento do Manifesto Comunista por Marx e Engels em 21 de fevereiro de 1848, quando trouxe para o centro da luta política o protagonismo das classes proletárias no cenário histórico mundial. O que fez a burguesia abandonar por completo a grande narrativa, já que não se via bem na foto compartilhando o protagonismo com o proletariado. A partir daí autores, que fragmentavam o discurso, como Nietzsche por exemplo, tornaram-se uma alternativa mais palatável. Mas quem jogou a pá de cal no movimento pós-estruturalista francês, foi o pensador estadunidense Fredric Jameson, que a meu juízo desmascarou completamente o falso pós-modernismo de todos eles, além do brasileiro Sérgio Paulo Rouanet, que no livro "As razões do iluminismo" questiona  o próprio pós-modernismo em si mesmo, considerado inexistente enquanto movimento, pois não considera, que o modernismo tenha sido superado.

Para ouvir enquanto lê:
budapest george ezra
Ver também: 
Anos de loucura no Chelsea londrino

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