quinta-feira, 12 de maio de 2016

O risco do narrador virar personagem

Sem alimento para nutrir a escrita, com o repentino afastamento da fonte principal, ou seja, o senhor Rui Grieger, 56 anos. Qual um suposto dependente químico em busca de mais uma dose, ou atrás de uma chance de consegui-la, passei a mudar o itinerário, só para ter a chance de esbarrar mais uma vez com o meu personagem principal, quem sabe passando pela sua rua, pensei, não dou de cara de repente com o próprio. Não posso ser acusado de xereta, paparazzo ou coisa que o valha, afinal de contas, a rua é pública.
Normalmente por essa hora da noite, que costumo sair para as caminhadas, entre seis e sete horas, ele já costuma estar colocado, no grau etílico adequado, para viver a vida de mais uma noite, com os seus personagens típicos, a atmosfera de mistério da noite, encontrar alguém para conversar, papear, porque pelo que me disse, não gosta de beber em hora de trabalho, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", afirmou uma vez, como se estivesse a dizer uma importante máxima filosófica cheia de sabedoria, olhando-me com ar imponente enquanto ajeitava o chapéu na cabeça, exatamente na hora, que a manga curta da camisa expõe duas grandes tatuagens em seu bíceps esquerdo.

Rui Grieger é uma figura, como disse dias atrás, se fosse um pouco mais alto, seria aquilo que se costuma chamar de armário, porque é muito forte, atarracado mesmo, mas não é um corpo esculpido em academias, não é bombado, é sua natureza, sua genética favorável. De tal forma é assim, que quando narra as suas desventuras, os golpes da falta de sorte, a covardia e traição de falsos amigos, e até da tragédia que lhe aconteceu há três anos, quando foi esfaqueado, por um namorado enciumado de uma moça, que Rui andou pegando, não parece verossímil. Não é nada verossímil conseguir enxerga-lo no papel de vítima. Então, por tudo isso e à cata de mais estórias suas e de outros, continuo rondando, à espreita, tomando o devido cuidado para não parecer xereta em demasia, porque não posso desperdiçar essa fonte inesgotável de estórias, que é o Sr. Rui Grieger.
Parei de telefonar, parei em respeito às suas determinações, que a partir dali caberia somente a ele saber a hora adequada, para telefonar, ou procurar pelo celular, sempre que desse chamaria para uma cerveja, e mais um dedo de prosa como gosta de dizer, sentindo-se importante, o que é visível pelo ar no semblante.
Realmente ele é algo muito valioso, inestimável, para quem busca inspiração e ideias, acho mesmo, que até superior à penúltima descoberta.
Antes de conhecer Rui, tive a sorte de ser apresentado por um amigo comum ao Sr. Noel de Souza, 54 anos, quando batemos um papo incomensurável, mas que depois disso, misteriosamente desapareceu, não voltei mais a vê-lo, infelizmente; e também com uma história de vida muito interessante, curiosa, rica em nuances, súbitas e surpreendentes mudanças de rumo e de vida, de quem prometo mais tarde voltar a falar.

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