segunda-feira, 23 de maio de 2016

Senhor Grieger




Posso ter sido deveras imprudente, mas assumi todos os riscos, quando decidi contratar um detetive de terceira, desempregado, posto para fora do serviço público, por falcatruas cometidas, durante o exercício profissional de investigador de Polícia Civil, num distante subúrbio carioca. Fiz, porque precisava continuar a estória, que estava a escrever sobre o Sr. Rui Grieger. Projeto que quase pus a perder, quando fui com muita sede ao pote nas entrevistas, muita avidez por suas estórias incríveis, o fazendo falar por horas e horas, uma vez em sua casa, mas na maioria das outras vezes em mesa de bar, regado à muita cerveja, seu combustível básico. Até o momento de fazê-lo desconfiar do ouvinte, e se recusar dali por diante, não mais me receber, nem tomar cerveja. Mesmo depois, que notei a sua zanga, proibindo-me de telefonar para o seu número de celular, continuei a circular por sua rua, vez ou outra, na busca de reencontrá-lo, procurando entender o que tinha acontecido, qual a razão do afastamento, do quase rompimento. Em algumas dessas ocasiões, sempre durante o início da noite, quando ocorre algum encontro, continua a parar, para um cumprimento rápido, a diferença agora, é que demonstra de cara, que não pode ficar muito tempo, dá logo uma desculpa, corta qualquer possibilidade de um papo mais prolongado, voltou a ser o alemão sistemático, que sempre foi, e havia suavizado um pouco no início das entrevistas, quando ainda me considerava amigo, ao preferir chamar-me mais de amigo do que pelo nome. Notei em duas ocasiões, nesses encontros casuais e involuntários, numa delas vi que vestia um agasalho de couro preto, bem característico de tribos “Leathers”, muito comum em certos Clubes e Pubs londrinos, algo próximo ao uniforme de certas tribos sadomasoquistas. Então, dessa maneira, o encontrei todo paramentado, consegui enxergar até um par de luvas do mesmo tom. Pareceu-me estar arrumado para um evento especial, porque até então, não o havia visto ainda vestido daquele jeito, para tomar cerveja no boteco da esquina, por exemplo. Aquilo tudo me fez acender uma luz amarela, de advertência, aí tem coisa, matutei. Na segunda noite então, foi luz vermelha na hora, tanto que o próprio percebeu e foi duro, seco e negativo durante o curto tempo do encontro. Passou a partir daí, demonstrar uma certa perturbação, quando me vê, e deu para dizer agora, frases do tipo: “hoje estou concentrado apenas no que vou fazer mais tarde, mandar mais um para a vala,” e outras do gênero ou parecidas. A intenção nítida e evidente, é tentar me afastar, amedrontando-me, fazendo terror, trazendo o medo para a porta da frente. Outro detalhe, que me chamou atenção, foi ter raspado completamente a cabeça, manteve a barba aparada de forma correta, mas a cabeça careca. De forma, que agora com aquelas botas negras, casaco de couro da mesma cor, luvas, o boné deve ter esquecido em casa, pensei. Se fosse um pouco mais jovem, certamente arriscaria a achar, que estava diante de um Skin Head maluco, nazistão. O homem já tem 56 anos, está perto de fazer aniversário, mas parece bem menos, talvez uns quarenta e pouco. De modo que fiquei com uma pulga atrás da orelha. Aí tem coisa, pensei. Bem, diante de tudo, não preciso dizer, que depois pensei a respeito, que história? Tudo muito curioso e intrigante, tem algo que não bate bem, não fecha a conta. Continuo confuso e sem entender direito o que se passa.
Quando algumas noites atrás reencontro Samuel no banho turco da sauna, já o havia visto antes, lá mesmo, quando então me deu o seu cartão de detetive particular. Dessa vez, sem muito assunto como sempre, porque quase nunca conversamos, não o conheço direito, só o cumprimento padrão e normal, lembrei-me do cartão de apresentação, foi o gancho, que precisava para quebrar o gelo. Não só deu-me outro, como ainda perguntou, se estava precisando de algum serviço, e aí já foi acrescentando, sem me deixar responder a primeira indagação, que não precisava me preocupar com pagamento, só recebia no final, quando entregasse o produto do seu precioso trabalho. Então, que achas? Foi a sua última pergunta.

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